domingo, 26 de outubro de 2008

Ofélia e Mina


Ofélia corria os olhos através do livro. Contava a história de um triste vampiro, Drácula. Mas o que mais chamou-lhe a atenção não era a desgraça do protagonista. Era uma coadjuvante, Mina.
Mina se encantava com o Vampiro, não sabe-se bem pelo quê. Talvez fosse o mistério que podia ser visto através dos seus olhos, talvez fosse toda a atenção que ele dedicava a ela. Mas apesar de todo o encanto, era óbvio que não podiam ficar juntos.
Ofélia grudou o livro ao peito e encarou o teto do quarto. Tinha muitas semelhanças com Mina.
Será que Drácula terminaria a história melancólico, numa imagem preto e branco, apoiando o cigarro no cinzeiro?
Acho que não, ele está largando o cigarro.

sábado, 25 de outubro de 2008

Filme Cult


Os pés de Ofélia se perdiam, tropeçavam. Suas unhas, já curtas, estavam todas roídas. Ela se jogava no chão, perdia a voz. Isso quando ela estava sozinha.
Quando estava com alguém, tinha a elegância de uma bailarina e o sorriso de uma atriz pra fingir equilíbrio.
No entanto, não estava triste. Estava confusa. E em partes, ela adorava essa confusão. Ter assuntos pra pensar. Ter a vida parecida com o roteiro de um filme. Um filme cult.
E aí se jogar na cama, olhar pro teto e tentar pensar em nada, lembra?

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Cigarros e uísque.

Ofélia o encarava através da fumaça do cigarro dele.
Ele entortou a boca, sabia que ela era uma ativista anti-nicotina (apesar de toda a hipocrisia, já que de vez em nunca ela fumava um narguile, entre os amigos).
Ele então enfiou o cigarro no cinzeiro:
-Feliz?
-Muito.
Ele sorriu, estendeu a mão. Ela deveria pegá-la? Se a pegasse, fecharia de vez o tal triângulo amoroso. Não pegou:
-Willian... Você quer alguma coisa comigo?
Ele retirou a mão. Tomou um gole do uísque:
-Eu gosto de você.
Ofélia sorriu singelamente:
-Eu também gosto de você.
-Não. Eu GOSTO de você, Ofélia.
Os olhos dela se perderam, olhavam de um lado para o outro, aflitos. Era óbvio, ela quem estava com medo de enxergar.
-Will... Não dá. Não dá mesmo.
Os olhos dele se tornaram vermelhos:
-Por causa dela, não é?
-Eu nunca poderia traí-la dessa maneira.
Ofélia então tocou o rosto dele, afagou os seus cabelos. Ele tentou se esconder atrás das próprias mãos, mas ela as tomou. Ele se desculpava compulsivamente. Tomou mais uísque.
Então, estendeu a mão, dessa vez, ela a pegou.

Um esqueleto no canto

A Ofélia vivia de joelhos. De joelhos diante de você. Mas em silêncio. Nunca implorou. Só deixou você ver que ela estava lá. E você passava a mão na cabeça dela, suspirava e virava as costas.
Até um dia você mandar ela ir pro canto. Ela foi, como ela sempre fez, sempre fez o que você quis.
E ela ainda está lá. Deixou de comer, de dormir, de ser ela mesma. Mas agora, depois de tanto tempo de castigo, depois de morrer, de sua carne apodrecer, depois de ela ter virado um esqueleto frágil e de assistir você em toda sua mediocridade e covardia, percebeu que ela é mais do que isso.
Ela ainda não se levantou. Mas se prepara, ela não vai estar eternamente lá. Fique esperto, pequeno gafanhoto.